Publicado em Abril/Claudia - 16.08.24 Por: Lorraine Moreira
Imagem por Pinterest
Polêmica envolvendo briga de Ballerina Farm e seu marido sobre as intervenções médicas em seu parto fez a internet questionar se é normal o marido pressionar a esposa para esse tipo de escolha (@ballerinafarm/Instagram) .
Alguns acreditam que, para ser uma boa mãe, é preciso sentir as dores do parto. Outros defendem a cesárea como a melhor opção para todas as gestantes. Entre defensores do parto normal e do cirúrgico, não é raro ver pessoas palpitando (e pressionando) sobre a decisão das grávidas na hora de escolher um tipo de parto.
A polêmica da Ballerina Farm
O jornal britânico The Times reacendeu esse debate ao publicar em julho uma matéria sobre a Ballerina Farm. Apelidada de rainha das esposas conservadoras [ou trad wives], Hannah Neeleman compartilha vídeos preparando receitas do zero ao redor de seus oito filhos, todos moradores de uma fazendo no campo.
Com mais de 18 milhões de seguidores no Instagram, Hannah é casada com Daniel Neeleman, herdeiro bilionário de uma companhia aérea. Os dois foram criados em famílias religiosas que proíbem o uso de métodos contraceptivos, não veem com bons olhos a mulher dar à luz em hospitais e utilizar anestesia durante o parto.
No entanto, Hannah pariu um dos oito filhos em um hospital, quando o marido não pôde estar presente, e tomou anestesia. Ao jornal, ela confessou que essas interferências foram motivo de briga entre o casal.
A briga – somada ao fato de que Hannah gostou de tomar anestesia – acendeu um alerta nas redes sociais, que começou a se perguntar se a influenciadora realmente queria passar pelo processo de forma natural ou se o fazia porque seu marido a pressionava.
O caso também levantou o debate sobre o direito do pai (ou de qualquer outra pessoa) de pressionar a mulher a ter um tipo de parto em detrimento do outro. Essa pressão pode trazer riscos psicológicos e físicos, tanto para a mãe quanto para o bebê.
Cesárea ou parto normal?
A primeira cesárea realizada no Brasil aconteceu em 1822. Originalmente concebido como um procedimento de exceção para casos de risco grave à gestante e ao bebê, o método foi
sendo gradualmente incorporado à cultura e, hoje, é tão – ou mais – comum quanto o parto normal no país.
No setor privado, 86% dos partos são cesáreas, segundo o Ministério da Saúde. Anualmente, ocorrem cerca de 3 milhões de partos no Brasil, dos quais 1,6 milhão são cesáreas.
“A cesariana, entretanto, é um parto de resgate e deve ser usada em situações que minimizem o risco de saúde da gestante e do bebê e quando essa pessoa não pode ser submetida ao parto normal”, defendea médica Flávia Purcino, mestra em Ciência pela USP e sócia-fundadora da Clínica Eredità.
Diversos fatores levam tantas brasileiras a sala cirúrgica. Um dos mais citados em estudos é o medo da dor do parto. Além dele, conta o fator de uma cesárea permitir o agendamento do nascimento, o que ajudaria a controlar a ansiedade.
Pesquisas também indicam que uma parte das mulheres que preferem a cesárea acredita que a cirurgia é a alternativa mais segura em qualquer situação (o que não é verdade) e temem os impactos do parto normal na vida sexual após o nascimento do bebê.
Outro fator que contribui para a alta taxa de cesáreas é a preferência de hospitais e convênios privados pelo procedimento. A cirugia toma muito menos tempo do que um parto normal, que pode se estender por muitas horas ou até dias, o que a torna muito mais lucrativa.
Falta apoio ao parto normal
Essa questão explica por que quase 70% das brasileiras desejam um parto normal no início da gravidez, mas não são apoiadas e acabam desistindo dessa preferência, segundo uma pesquisa coordenada pela Fiocruz.
“O índice elevado de cesarianas se deve a uma cultura arraigada no Brasil de que o procedimento é a melhor maneira de se ter um filho. Em parte porque, no Brasil, o parto normal é realizado com muitas intervenções e dor”, esclarece a coordenadora da pesquisa, Maria do Carmo Leal.
A escolha do tipo de parto, porém, deve considerar as condições clínicas e obstétricas da gestante e do feto, respeitando a autonomia da pessoa grávida. “Para avaliar a segurança do parto, é preciso considerar a saúde dos envolvidos”, diz Flávia.
Desde a publicação do estudo da Fiocruz, que aconteceu em 2014, muitas campanhas foram criadas para informar as mulheres em relação às cesáreas desnecessárias e conscientizar esse público sobre esse cenário.
Ballerina Farm e sua família (@ballerinafarm/Instagram)
Como a pressão impacta na saúde das mães
Esse cenário de pressão pode ter um impacto significativo na saúde das gestantes, que se estende aos bebês. “A tensão gera ansiedade, o que pode ser extremamente prejudicial durante a gravidez“, explica a psicóloga Marina Vasconcellos, especializada em terapia familiar pela Unifesp.
“A pessoa começa a questionar se fez a escolha certa, se o médico está agindo corretamente, e isso só aumenta o estresse em um momento em que a tranquilidade é fundamental para o desenvolvimento saudável do pequeno e da gestação”, acrescenta.
A melhor maneira de lidar com isso é estar bem informada e ter um médico de confiança, de acordo com ela. “Conversar com o médico e pesquisar sobre o assunto pode ajudar essa mulher a ter mais confiança na escolha que será feita em conjunto com esse profissional. Assim, haverá menos chances de ter sua saúde prejudicada em razão da pressão externa para a escolha de um tipo de parto.”
“Ter um profissional em quem confiar faz a diferença, porque tudo pode mudar de última hora e é preciso ter alguém ao seu lado que possa te orientar em qualquer cenário”, continua.
“A sociedade precisa aprender a lidar com a escolhas da mulher e parar de pressioná-la”, defende a psicóloga.
“Também é importante que as pessoas não julguem quem teve o filho por um tipo de parto ou outro. É preciso apoiar uns aos outros nesse momento.” Ela completa indicando trabalhar as expectativas. “Você pode sonhar com um parto normal e na hora não ser possível. E isso faz parte, acontece.”
Quando o direito de escolha não é assegurado
Embora não exista uma legislação específica sobre o direito de escolhar do tipo de parto, existem direitos básicos que devem ser respeitados, explica a advogada Mariana Prandini Assis, doutora em ciência política pela New School (EUA), professora da UFG e membro do Coletivo Margarida Alves.
Entre eles, está o direito ao consentimento livre e informado, cuidados apropriados e acesso aos serviços necessários na situação concreta. Direitos à saúde e à autonomia também são fundamentais.
“Um guia recente da Organização Mundial da Saúde para um parto seguro recomenda a humanização dos cuidados, garantindo que as gestantes tenham uma experiência positiva. Respeito, dignidade, privacidade e comunicação efetiva são essenciais para que as mulheres compreendam todos os procedimentos necessários e possam dar seu consentimento informado”, comenta Mariana.
A lei 11.108 assegura o direito a um acompanhante durante o parto, o que é fundamental para acalmar a gestante e atuar como testemunha de que seus direitos estão sendo respeitados.
Por outro lado, parceiros não têm o direito de determinar o tipo de parto. “É claro que as pessoas que compartilham essa gestação imaginam poder participar desse processo, mas ela está ali principalmente para garantir apoio e afeto durante esse período complexo”, afirma ela.
A advogada ainda destaca que impedir a gestante de decidir sobre seu cuidado em saúde é uma forma de violência obstétrica. “O profissional de saúde deve garantir que o consentimento seja livre e informado, sem qualquer indução.”
“A relação entre médico e paciente muitas vezes é marcada por uma desigualdade de poder, e é fundamental que os profissionais não se imponham ou desrespeitem os direitos da paciente em um momento de vulnerabilidade”, conclui a advogada.
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