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A criança e sua individualidade

Publicado no Arca Universal ,12.10.10

Desde cedo, a criança percebe seu jeito de ser e como se encaixa no grupo em que vive, respeitando a si e ao próximo com um papel muito importante da família nesse processo.


Fala-se muito sobre as novas gerações que despontam. As crianças de hoje estão mais informadas, influem mais no meio em que vivem e têm noção mais cedo de quais são seus direitos. Por outro lado, também há uma carência de limites, gerando conflitos quando elas encaram a “vida lá fora” após o primeiro contato social: o seio familiar. No meio disso tudo, aprendem a viver em grupo, mas também entendem como elas são como indivíduo, desenvolvendo preferências.


Como levar em conta, ao educar os filhos, que eles tanto respeitem as regras à sua volta quanto respeitem a si mesmos, não cedendo tão facilmente às pressões externas? Começar respeitando a individualidade da criança dentro de casa já é um passo bastante significativo e com reflexos para toda a vida, segundo a psicóloga Marina Vasconcellos, terapeuta familiar e de casais em São Paulo.


Em entrevista ao Arca Universal, Marina explora mais o assunto:


Em que idade a criança começa a mostrar sinais de individualidade?

Não há uma idade ao certo. Varia de criança para criança. Desde muito cedo ela começa a mostrar egocentrismo. Quer tudo para ela, tudo tem que girar em torno dela. Enfim, ela é o centro do mundo e pronto. Mas o egocentrismo nessa época é normal, não deve ser confundido com a personalidade da criança. Eis que ela entra na escola e começa a conviver com um mundo maior que o da família somente. Aí sim, a personalidade começa a aparecer: umas dividem as coisas com facilidade, outras têm mais dificuldade. Muito disso vem de casa, da criação. Ter irmãos, ou não, influencia bastante. E esse processo de “soltar” a criança deve acontecer mesmo, é necessário para que comece a entender como ela é longe da família e passe a ter consciência de si mesma como indivíduo. Vai começar a criar seu próprio mundo, a frequentar alguns lugares sem os pais. Geralmente, mães muito grudadas aos filhos geram pessoas que terão certa dificuldade mais tarde para entender e fazer parte da vida em sociedade. Entendendo quem ela é, a criança também começa a entender como ela faz parte de um todo, como se relaciona com o todo. Também começa a adquirir autonomia, responsabilidade.


Qual deve ser a posição dos pais e parentes perante essa individualidade?

Primeiro devem entender que embora a criança tenha genes do pai e da mãe, ela é um ser único. Cada filho é único. Na verdade, não adianta impor um jeito, a criança não tem que ser como você esperava. Impor à força gera conflitos que podem acompanhar a pessoa pelo resto da vida. Em suma, ela tem um jeito de ser e mudar isso não é producente.


Quais as diferenças entre individualidade e personalidade?

Com a individualidade, a criança começa a perceber o seu mundo, desenvolve o seu jeito de ser. Ela não pode ficar o tempo todo com o adulto a seu lado ditando tudo, senão corre o risco de virar uma mera cópia. Ela tem que entender como ela é quando não está com alguém por perto. A personalidade é a estrutura própria que ela forma, a partir do meio em que foi criada, que resulta dele. Isso influencia bastante, e daí vem se a criança é mais expansiva ou mais tímida, por exemplo. Mas a personalidade pode sofrer alterações com o tempo, embora o mote básico não mude.


Embora a criança tenha personalidade própria, faz parte de um grupo social: a família. Depois, integrará outros (escola, clube, igreja, amigos). Como ela deve ser educada para ao mesmo tempo preservar sua individualidade e se integrar a esses grupos?

A educação que os pais oferecem e os valores que eles passam são muito importantes para toda a vida. Isso a ajuda na formação do jeito de ser. Ela receberá influências de fora, claro, mas tendo noção de sua individualidade, pode receber até mesmo más influências da “turma”, que as rejeita. Respeitada em casa, ela desenvolve o seu ego, sua estrutura, e é mais forte para ter um filtro em relação ao que recebe de fora. Passa por cima daquelas coisas que geralmente provocam desvios de personalidade. Na adolescência, ela estará com a individualidade em desenvolvimento, testará várias coisas e, com o tempo, dispensará o que não tem a ver com ela. É preciso respeitar essa fase para que ela perceba sua individualidade, descubra como é.


Estamos na semana do Dia das Crianças. Como presentear uma criança levando em conta a individualidade dela?

Acontece muito o caso de “eu pedi uma boneca e meu pai me deu uma bola” em pacientes meus. Atenção: uma criança não é um “mini-você”. Ela é um indivíduo e tem preferências.


Parece algo simples e até fútil, mas alguém cresce com certos complexos quando isso acontece. Um deles é aquela sensação de que seu gosto não era respeitado, que ela não era ouvida. Quando a criança tem seus 6, 7 anos, já não dá tão certo aquele negócio de comprar roupas sem ela estar junto. Ela passa a querer certas cores, certos tipos. Gostaria que a cor da parede do quarto fosse essa e não aquela. Desenvolve seu gosto. Se ela simplesmente recebe o que é imposto, isso gera frustrações que leva para a vida toda.


Mas temos que pensar em outras coisas também. Uma delas é que é bom perguntar o que a criança quer de presente, mas com limites. Ela deve saber que pode ter determinada coisa, mas deve entender que não vai ter tudo o que quer só porque quer. Outra coisa é que o Dia da Criança se tornou algo puramente comercial. Virou aquilo de “presente e pronto”.


Deveria ser um dia, mesmo tendo o presente, que também tivesse algo como levar as crianças ao parque, ficar junto com ela e ir a eventos especiais que existem em vários lugares. Mas todo mundo só compra um presente e pronto.


Quais as diferenças das crianças de outrora (em alguns casos elas nem tinham o direito da presença à mesa nos jantares de família) para as de hoje?

Passamos de um extremo ao outro, o que é perigoso. Antes elas simplesmente não eram ouvidas e hoje são ouvidas demais, a ponto de virarem pequenos tiranos que mandam na família. Há um “psicologismo” pregando que não se repreenda as crianças. Claro que elas têm mais noção de individualidade, de seus direitos, mas pai tem que ser pai e mãe tem que ser mãe, há uma hierarquia familiar que precisa ser respeitada. Se antes havia limites demais, agora há limites “de menos”. E até “limite tem limite”: ele precisa existir, sem excesso ou escassez, para que a criança desenvolva o respeito pelo próximo e entenda como suas ações refletem no meio em que vive, positiva ou negativamente.


Hoje, é muito comum a criança fazer algo na escola, receber uma repreensão dos professores e os pais já irem com tudo para cima dos educadores para defender os filhos. Não procuram nem mesmo saber como a situação real aconteceu, se o filho realmente aprontou algo e se foi devidamente repreendido. Acham que se eles não chamam a atenção do filho ninguém mais vai chamar. É preciso fazê-los entender os limites. Isso pode muito bem ser feito, mas com afeto, com bom senso.

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