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Elas namoraram homens mais velhos na adolescência

Publicado em UOL/Universa - Relacionamentos, 04.09.22 Por: Rute Pina

Aos 15 anos, a modelo e influenciadora digital Ana Prado teve uma festa que muitas meninas sonham, com direito à sua banda favorita no palco da cidade de Canoas, na grande Porto Alegre. Ela terminou a noite ficando com o cara que "qualquer menina queria ficar", de quem ela era fã. Ali foi o início de um namoro que durou dois anos e que, hoje, representa um trauma para a modelo. Ele era 12 anos mais velho e era integrante do grupo musical.


"Eu estava entrando na adolescência, e ele era um homem interessante, inteligente, formado em medicina, psiquiatria e, ironicamente, fã do Woody Allen. Elevava minha autoestima que ele se interessasse por mim", conta Ana, hoje com 31 anos. "Ele me fez acreditar que eu era madura para a minha idade. E toda adolescente quer ser considerada madura. Tinha um buraco de carência em mim e eu considerava especial um homem mais velho me olhando daquela forma."


Hoje, Ana enxerga o relacionamento como abusivo. "Eu aceitava muito as coisas, era muito manipulável. Às vezes eu tinha certeza de algo e ele me fazia acreditar que eu estava inventando. Eram coisas sutis. Também sentia que meu corpo não era preparado para o sexo da forma como a gente fazia", relata a modelo.


Ela conta sentir como se tivesse perdido uma fase da sua vida. "Sinto como se uma etapa da minha vida tivesse sido pulada. Foi muito difícil me encontrar, me reconstruir depois do término. Me senti destruída emocionalmente", diz.


"Não vivi a descoberta da minha sexualidade, por exemplo. Fiz muito sexo antes de descobrir o que era um orgasmo. Eu pensava que estava sempre ali para servir. Perdi uma certa construção que existe na adolescência, sinto que atrapalhou esse processo.

"Ele me passou uma IST [infecção sexualmente transmissível] no começo da relação, eu tinha acabado de começar minha vida sexual. Ele tentou me acusar, como se eu tivesse tido isso antes dele. Respondi que era impossível, comecei a chorar e só depois ele disse que a ex dele tinha tido a mesma coisa. Minha mãe teve de pagar pelo tratamento e me senti culpada durante um bom tempo."


Por causa do namoro, Ana conta que se afastou de pessoas da sua idade. "Simplesmente me isolei, vivi a vida dele, nem considerava que tinha amigas, mas apenas colegas da escola. Comecei a estar perto de pessoas da minha idade apenas no fim do namoro."


Estar no círculo de amigos dele, por outro lado, era cansativo, diz ela. "Eu chegava em casa exausta de tanto que me esforçava para pensar. Ele convivia com pessoas já formadas muito inteligentes, que falavam de cinema, arte e psicanálise. Ficava a todo momento tentando provar que era madura o suficiente para estar ali e ficava buscando referências e pesquisando na internet referências de diretores de cinema", lembra.


Vídeo de Claudia Raia gerou gatilho

Ana decidiu compartilhar um relato no Twitter após ver um vídeo da atriz Claudia Raia, em entrevista ao programa "Saia Justa", sobre homens que buscavam mulheres mais jovens.


"Aquilo me deu um gatilho. Não acho errado dois adultos com diferença de idade se relacionarem. Mas essa lacuna de idade em uma relação de uma pessoa adulta, que está com a vida mais estabilizada, com um menino ou menina, que ainda está tentando entender a vida, pode se transformar em uma relação de domínio", diz a modelo.


'Ele se aproveitava de mim de todas as formas'

A publicação de Ana no Twitter teve mais de 53 mil curtidas e recebeu quase 500 comentários. Entre eles, o de muitas mulheres que compartilham o mesmo relato da modelo.


Uma dessas meninas foi a estudante Dayana Vinhote, 25 anos, que vive em Candeias, cidade do interior da Bahia. Aos 15 anos, ela conheceu seu ex-namorado, de 24 anos, pelo Facebook. "Na época, eu gostava de skate e tinha uma praça que era point dos skatistas da cidade. Sempre ia lá e ele também. Ele conhecia alguns amigos, me viu e começou a conversar comigo pelo Facebook. Eu não sabia a idade dele porque ele dizia que 'era só um número'. Mas eu achava o máximo que ele se interessava por mim."


Ele morava em outro município, em Simões Filho, a 30 minutos da cidade de Dayana, e visitava a estudante aos finais de semana. Eles ficaram um ano juntos até ela decidir terminar com ele pela primeira vez, por causa das diversas brigas e da agressividade do ex-namorado, que não gostava dos amigos da adolescente que tinham a mesma faixa etária que ela.


"Uma vez, tropecei na rua e brigamos porque ele disse que não poderia me levar ao posto de saúde porque eu era menor de idade, poderia ter algum problema. Ele me deixou na rua, sozinha. Tive que ligar para uma amiga me socorrer", conta. "Ele também sempre me chantageava, dizendo coisas como 'se você sair com suas amigas, não vou te ver no final de semana'. Mas eu já estava muito dependente daquela relação. Quando a gente terminava, eu ficava muito mal, chorava muito. Depois a gente voltava."


No total, eles ficaram juntos por mais três anos. "Só consegui terminar com ele quando eu estava completando 19 anos. Minha mãe começou a perceber o que estava acontecendo porque ele terminava comigo e eu ficava muito mal. Ela conversou comigo, disse que aquilo não estava me fazendo bem. Quando decidi terminar, ele ameaçou dizendo que contaria mentiras sobre mim. Fiquei com medo, mas banquei a decisão."


Ela afirma que o ex-namorado se aproveitava da diferença entre eles. "Não só pela idade, mas pelo quanto que ele tinha vivido e o tanto que eu não tinha. Ele se aproveitava de mim de todas as formas, principalmente no sexo", diz.


"Ele me obrigava a fazer coisas como sexo oral. Cresci em uma casa em que ninguém nunca conversou comigo sobre sexo, minha família é muito ligada à igreja. Também não tive uma figura paterna e estar com um homem mais velho fazia eu me sentir segura."


Atualmente noiva, em um novo relacionamento, Dayana diz que enxerga as coisas de outra forma. "Só três anos depois do término, quando comecei uma relação com outra pessoa, entendi o que é respeito mútuo em um relacionamento."


'Fiquei traumatizada'

A auxiliar de cobrança Sabrina Perdigão, 32 anos, tinha 15 quando começou um namoro às escondidas com seu vizinho, na época com 24 anos. "Ele fazia o que queria, tudo o que hoje eu não aceitaria de forma alguma, como diversas traições", diz ela, que mora na zona norte de São Paulo. "Minha família não aceitava e não achava aquilo normal, mas ninguém iria impedir o namoro e ele só fez o papel dele de comunicar que a gente estava namorando."


O relacionamento, conta Sabrina, gerou afastamento do seu círculo mais próximo de amigas. "Estava deslumbrada, faltava na escola para ficar com ele e me afastei das minhas amigas porque ele sabia que eu conversava com elas sobre o relacionamento e elas diziam que eu deveria terminar. Então ele falava que elas me levavam para o mau caminho."


Depois de quatro anos de namoro, Sabrina engravidou. Eles se separaram assim que ele soube da gravidez. Desde então, Sabrina afirma que nunca mais conseguiu se relacionar com alguém mais velho. "Fiquei traumatizada."


Hoje, com uma filha de 13 anos, ela conta que conversa sobre relacionamentos de uma forma que ninguém a orientou. "Minha filha está em uma fase de descobertas, descobrindo sua sexualidade, em um momento de dúvida, se gosta de meninos ou meninas. Mas oriento e digo para ela não colocar o carro na frente dos bois."


Relacionamento pode afetar desenvolvimento emocional, diz psicóloga

A lei brasileira presume como estupro de vulnerável todo ato sexual envolvendo adolescentes de até 14 anos. Mas não há estupro presumido —se houver consentimento— em um relacionamento entre um adulto maior de 18 anos e um adolescente de 15 a 17 anos.


A psicóloga Marina Vasconcellos, especializada em terapia familiar e de casal pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), afirma que a lacuna pode abrir espaço para uma relação abusiva. E o problema, diz a especialista, não está necessariamente na diferença de idade, mas de fases de vida entre as pessoas que vivem a relação.


"Por exemplo, uma mulher de 30 anos e um homem de 60 têm uma diferença: enquanto ela está no auge da vida sexual e reprodutiva, essa problemática da figura paterna pode aparecer. Já entre uma mulher de 30 anos e um homem de 40, não tanto, já que eles estão em fases de vida mais parecidas. Nada é uma regra e depende do contexto, da capacidade e do desenvolvimento emocional das pessoas envolvidas. Mas, em geral, essa diferença no ciclo de vida pode ser uma questão", afirma Marina.


No caso de adolescentes, ela afirma que isso aparece com mais intensidade. "Nesta fase, a gente ainda está formando a identidade, e o que os outros pensam tende a ser muito importante. A adolescente pode não perceber a manipulação e confundir isso com proteção, podendo se tornar refém dessa relação."


De acordo com a especialista, adolescentes podem projetar uma figura paterna e protetora no relacionamento para se sentirem seguras e ter a autoestima elevada. "Mas, quando ela é muito nova, ela pode não ter a maturidade necessária para lidar com diversas situações que o outro demanda, inclusive sexuais", diz.


"Eles podem perder essa fase da adolescência, deixar amigos de lado, se policiar para não ter comportamentos infantis quando é para ser infantil mesmo, ao exigir estar em uma próxima fase, obrigados a puxar temas mais adultos. Isso tudo prejudica o desenvolvimento emocional", finaliza a psicóloga.



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