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'Vou te ensinar a ser rara': testei curso para deixar de atrair homem ruim

Publicado no portal UOL/Universa, 29.04.22 Por: Júlia Flores

Ser solteira exige dedicação. Mas deixar de ser solteira exige mais ainda. O desafio começa já na hora de escolher um possível candidato; digamos que, quando você é uma mulher heterossexual, as boas opções —e disponíveis no mercado— são baixas.


Caso você avance nessa casinha, o desafio passa a ser outro. Marcar encontro, conhecer a pessoa, criar intimidade, ter química, afinidade de interesses... São tantos obstáculos e condições que tornam o jogo da paquera ora excitante, ora cansativo.


Em 2022, depois de dois anos de pandemia, uma palavra que não sai do nosso vocabulário é exaustão. Se antes "ter um date" era algo que deixava os pretendentes de cabelo em pé, hoje dá preguiça só de pensar (na minha cabeça, vem uma enxurrada de pensamentos negativos sobre os possíveis finais dessa história: vale a pena gastar dinheiro para jantar com ele? Usar uma lingerie nova com esse cara? E se ele me der ghosting? Com certeza, vai desmarcar em cima da hora).


Meu estado civil —como outras mulheres já contaram nessa reportagem— é "cansada". Olhando ao redor, sinto que não estou sozinha. As mulheres estão "cansadas" quando o assunto é relacionamento. Acho que de tanto proclamar a frustração amorosa, meu celular ouviu e os algoritmos da internet começaram a exibir uma propaganda —digamos, curiosa— relacionada ao tema.


Era o anúncio de um curso sobre como "deixar de atrair homem ruim". Confesso que ri ao ver o vídeo. Nos poucos segundos de duração da, o palestrante elencava três estereótipos de parceiros disponíveis no mercado: o banana, o mala e o filhinho da mamãe. Check list feito, já me relacionei com todos eles.


Pensei: por que não participar do workshop? Curso online, gratuito e exclusivo para mulheres, decidi arriscar e me inscrever.


Os tipos de mulher "danificada"


Dividido em cinco aulas, o curso foi criado por Elton Euler, fundador do método "O Corpo Explica" (teoria que afirma que o formato do corpo explica o funcionamento da mente), casado há 12 anos e pai de cinco filhos.


"Eu não era um homem bom", diz ele já no início da transmissão, que contava com mais de 15 mil pessoas conectadas. "Só mudei de postura quando encontrei uma 'mulher rara'".


Segundo a teoria de Euler, além dos estereótipos masculinos (banana, mala e filhinho da mamãe), existem também os femininos. A mulher, no relacionamento, tem três padrões de comportamento: enfermeira, guerreira e Alice no País das Maravilhas. Enfermeira é aquela que quer salvar e cuidar do parceiro; guerreira, a que gosta de desafios e Alice é a que vive idealizando o outro.


Depois que o mentor apresenta esses conceitos, uma chuva de comentários surge na caixinha de transmissão. "Eu sou essa aí", "me identifico", "sempre fui Alice", etc. O desafio do curso é transformar essas mulheres —classificadas pelo próprio Elton— "danificadas" em ''raras". Tentei me encaixar em alguma dessas categorias e cheguei à conclusão de que, no fundo, somos todas um pouco de cada.


Existe homem bom?


Basicamente, a ideia do workshop é apresentar os tipos padrão de "homens ruins" e de "mulheres danificadas", pincelar suas características principais e mostrar como o formato de corpo da pessoa pode definir como ela se comporta —inclusive no amor.


Elton, o guru do amor, repete insistentemente frases como "quantas de vocês já não ficaram presas a relacionamentos ruins por dependência emocional?"; "quantas não sustentam marmanjo?"; "quantas de vocês não aceitam um companheiro porque estão totalmente focadas no trabalho?"


Enquanto o chat bomba de comentários, penso: "Então sou eu a culpada por não arranjar um homem bom? Mas o que é 'ser bom', exatamente?". Essa reposta levou algum tempo para ser revelada. Para o guru do amor, um homem bom é aquele que provém sustento à casa, dá proteção à mulher e é parceiro da esposa —digo esposa porque o curso é voltado para a formação de famílias.


Se você ficar perdendo tempo com homem banana, o parceiro protetor não vai aparecer na sua vida. Elton Euler, criador do método "O Corpo Explica"


Uma mulher danificada, portanto, não conseguiria manter uma relação com o tipo "bom" de homem. "Chamo de danificadas não porque são 'estragadas', mas porque passaram por relações amorosas desastrosas e isso as prejudicou de se relacionarem novamente", explica Elton.


Para mudar esse cenário, segundo o analista corporal, o primeiro passo é entender como seu corpo e mente funcionam para, então, virar uma mulher rara (após ouvir a explicação do que é um homem bom, eu já tinha desistido de virar uma mulher rara...).


Uma mulher rara


Por telefone, uma ex-aluna de Elton conversa com Universa. Ela é um exemplo do que o mentor chama de "mulher rara".


Minha vida mudou depois do curso, em 2020. Aceitei que era uma mulher danificada e decidi transformar isso. Dois meses depois, encontrei um parceiro", conta a nutricionista Sabrina Mendes, de 26 anos. "Conheci o Diego, primeiro homem de verdade na minha vida, 60 dias após fazer a análise."


Sabrina conta que, embora manteve um relacionamento dos 15 aos 21 anos, nunca tinha se dado bem em relações amorosas por sempre se relacionar com "homens bananas". "O Diego é diferente, é controlador como eu, e isso regula nosso casamento", diz.


A história de como eles se conheceram é curiosa; um dia ela estava usando o celular de uma amiga e decidiu acessar um aplicativo de namoro. Nas sugestões de match para a amiga, ela encontrou o perfil de Diego e começou a segui-lo em uma rede social. Dois meses depois, lá por abril de 2020, estavam morando juntos e casaram-se em janeiro de 2021.


"Nunca pensei que ia casar. Para mim, homem só era fonte de problema", brinca Sabrina. "Ficava por três, quatro meses com uma pessoa e largava. Com o Diego, sentia que seria algo diferente; ele é um homem provedor. Paga todas as contas da casa. O dinheiro que ganho fica para mim."


Eu, psicopata


De volta ao curso, ao longo dos dias Elton vai pincelando como funciona o método de neuroanálise criado por ele. O analista apresenta os cinco tipos de caráter humano e como a forma física está relacionada a isso. "Através da análise do corpo, você vai entender o seu nível de dependência emocional e a sua ambição", explica Elton. São cinco os tipos citados por Elton: o esquizoide, o oral, o psicopata, o masoquista e o rígido, que se manifestam em maior ou menor quantidade de pessoa para pessoa.


Você só vai ser uma mulher rara se entender qual o seu tipo de caráter e saber moldá-lo de acordo com as suas demandas.

Elton Euler


Ao final do "Raio-X do Amor", um conteúdo premium com análise personalizada de cada uma das participantes seria dado à aquelas que desembolsassem cerca de R$ 1,5 mil pela sessão —Elton já atendeu mais de 30 mil pessoas.


Procurado pela reportagem, ele fez uma análise rápida do meu perfil, via Zoom, dias após o curso. "Elton, não consegui achar um homem bom. Qual o meu problema?", perguntei a ele. "Você não vai encontrar ninguém a menos que esteja 100% comprometida a mudar de vida.


Vou fazer uma análise corporal sua para que entenda. Veja só: seu traço de psicopata é alto". Eu me assusto. "Mas como assim? Sou uma psicopata?". "Não, na verdade você é mais controladora; você vive com medo de ser usada".


Na minha cabeça, penso: levante a mão a mulher que em 2022 não sente medo de ser usada.


Fórmulas prontas desvendam o amor?


Durante o bate-papo com Elton, pergunto se questões sociais e culturais também não são levadas em contas na análise, e a resposta é confusa. Não creio que eu e o mentor compartilhemos da mesma visão de sociedade —durante o curso ele chegou a citar que a falta de homens bons teria criado teorias como o feminismo.


Para a psicóloga e terapeuta familiar Marina Vasconcellos, as questões sociais são importantes na hora de se analisar uma relação. "Não dá para deixar isso de lado, nós somos ensinadas a depender do homem; nosso nível de dependência, até pelo que é apresentado pela sociedade, é mais alto."


A especialista faz algumas reflexões sobre as falas de Elton. "Até existem aqueles tipos de comportamento citados por ele, mas não são só aqueles. As pessoas e os relacionamentos não podem ser resumidos às fórmulas prontas e regras preestabelecidas. Cada um tem sua própria história, peculiaridade e interferência; não podemos nos moldar em uma caixinha."


Na visão da terapeuta, para que uma pessoa esteja pronta para amar, é preciso que esteja bem resolvida emocionalmente —e isso não tem relação com o seu formato de corpo. "O processo de autoconhecimento é longo, questão de anos. Não acontece com uma pessoa dizendo a você o que fazer. Em um curso de cinco dias você pode ouvir algumas dicas, mas não significa que vai aprender (e sair pronto) como amar", pontua a psicóloga.


Respiro aliviada. Agora, quando perguntarem meu estado civil, vou responder: ex-cansada, em processo de autoconhecimento.

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